sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Experiência


Na postagem anterior citei brevemente o texto Notas sobre experiência e o saber de experiência, de Jorge Larrosa Bondía. Hoje quero “explorá-lo” melhor por achar que é um texto que nos sussita muitas reflexões sobre diversas coisas em nossa vida, mas principalmente sobre nossa prática pedagógica.

O autor inicia o texto propondo pensarmos a educação a partir do par experiência/sentido. Segue chamando atenção para o que chamou de poder das palavras. “Creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco” (BONDÍA, 2002, P. 21). O texto segue fazendo uma longa exposição em que a “palavra” é extremamente valorizada pelo autor.

O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio do vivente, que é o homem, se dá na palavra e com palavra (BONDÍA, 2002, P. 21).

Aqui gostaria de fazer um contraponto citando o livro Vozes plurais, da filósofa italiana Adriana Cavarero (2011). Neste livro Cavarero resgata a unicidade da voz, que, segundo a autora, perdeu seu status na Modernidade.

O primeiro lugar é ocupado por uma constatação tão simples quanto fundamental. A tradição filosófica não se limita a ignorar a unicidade das vozes, mas ignora a unicidade como tal, de qualquer modo que ela se manifeste. A singularidade inimitável de cada ser humano, a unicidade encarnada que distingue cada um de qualquer outro, é, para os gostos universalistas da filosofia um dado supérfluo, se não desconcertante, além de epistemológicamente impróprio. Por mais desestimulante que seja, isso não basta para liquidar a importãncia temática da voz. A voz não pode se tornar um tema indiferente para um tipo de saber que se inaugura na Grécia como autoclarificação do logos e que chega no século XX, após vários e coerentes desdobramentos que duram alguns milênios, à tematização obsessiva da linguagem (CAVARERO, 2011, p. 24).


Mas voltemos a questão da experiência, que é o que mais me interessa na narativa de Bondía. E para isso, cito uma frase do autor que dá setido ao tema: A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca (p. 21). Não devemos confundir experiência com informação, pois a informação impede que a experiência aconteça. O saber da experiência é diferente do saber coisas, de acumular informações.
Bondía atribui o “excesso de opinião” que atualmente estamos acostumados a ter sobre tudo e sobre todos, um dos impedidores da experiência. “Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo” (p. 22). Também a falta de tempo, é fator desconstrutor da experiência. “Tudo o que se passa passa demasiadamente depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera” (p. 23). Excesso de trabalho também é as vezes confundido com experiência.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismoda ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p. 24).

O autor segue o texto escrevendo sobre o sujeito da experiência e o que sobre o que a própria palavra experiência nos diz. São reflexões igualmente maravilhosas, mas por hoje ficaremos som essa primeira parte que já é bastante provocante.

Se considerarmos a experiência como que Bondía, pergunto: o que fazemos para proporcionarmos experiências aos nossos alunos? Será que damos o tempo necessário a eles para que ocorra a experiência? Quantas vezes nos preocupamos em ocupá-los o máximo possível com tarefas, a fim de que não parem de trabalhar... cobramos suas opiniões, oferecemos excessivas informações...
Quando paramos para dar tempo a cada um dos nossos alunos pensarem, acharem soluções...

E será que prestar mais atenção na voz, no som por si só, naquele que identifica cada pessoas por ele mesmo, com sua unicidade, como propõe Cavarero... não seria uma experiência?

Talvez nas séries iniciais seja mais fácil dar tais oportunidades aos alunos, porém esse processo se perde nas séries finais, seja pela falta de recursos, “fatiamento do tempo” (DRUMMOND apud OLIVEIRA et all,s/d), ou tantos outros impecilhos que encontramos no dia a dia.
É preciso ler textos como os de Bondía para nos “balançar”, no fazer “parar para pensar” e dar tempo aos nossos alunos e a nós mesmos, nos deixar ter experiências...

Referências

BONDÍA, Jorge Larosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ. [on line]. 2002, n. 19, p. 20-28.

CAVARERO, Adriana. Vozes plurais: filosofia da expressão vocal. Tradução: Flavio Terrigno Barbeitas. Belo Horizonte: UFMG, 2011.

OLIVEIRA, Cristiane Elvira de Assis et all. Questões sobre o tempo no espaço escolar. s/d. Disponível em: <http://www.ufjf.br/espacoeducacao/files/2009/11/cc07_1.pdf>. Acesso em 11 set. 2018.

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