Mais uma vez, quando realizava minha
pesquisa de Pós-Graduação, nos jornais antigos, me deparei com um assunto que
nos interessa: gênero. Trata-se de uma edição do Correio do Povo de março de
1943 em que estava sendo discutida uma lei que implantava a "separação dos
alunos, por sexo". Tratava-se dos alunos do Ensino Secundário, o que
hoje seria o Ensino Médio.
Encontrei duas publicações, uma contra
e a outra a favor.
Nessa publicação, do Correio do Povo,
de 20 de março de 1943, cujo título é SEPARAÇÃO DOS ALUNOS, POR SEXO, uma
diretora de uma escola do Rio de Janeiro diz estar aguardando o pronunciamento
do ministro Gustavo Capanema quanto a lei que obrigaria a separação dos alunos
por sexo. A professora escreve:
Preferimos crer que o Sr Capanema
reconsidere a questão e defira o apelo [de suspender a lei].Supomos que não seja fácil defender o
dispositivo impugnado, a menos que se lance, mas se lance corajosamente, sem
reticencias, sobre todos os outros, ou sobre alguns de nossos estabelecimentos
de ensino secundário uma pecha infamante. Porque, não sendo possível alegar em
apoio da medida razões de natureza pedagógica, não há dúvida que ela se
fundamenta em motivos de ordem moral. E a palavra "promiscuidade",
proferida a propósito do regime escolar vigente caracteriza perfeitamente o
alvo visado pela inovação.Essa "promiscuidade"
condenada numa sala de escola, recinto sob a guarda de mestres e inspetores e,
mais, fiscalizado por funcionários do Ministério da Educação, passa a ser
inócua, inocente, quando verificada nos centros esportivos, nas praias de
banhos, nos cinemas, onde, aí sim, talvez houvesse o que fazer...Mas num educandário!...Que coisa mais grave se poderá
articular contra uma geração e contra os responsáveis por sua formação moral? E por que, se tão grande é o perigo
dessa "promiscuidade", não decretar a separação de sexos,
radicalmente, a começar do curso primário, tantas vezes frequentado por alunos
em idade superior à fixada para admissão ao curso secundário? Por que não
implantá-la nas repartições?
Depois a professora passa a relatar
problemas de ordem material, como falta de salas, de professores, entre outros.
Mas o trecho acima nos diz muitas coisas. Essa questão aconteceu há 74 anos. Se
pensarmos em tempo histórico, é um período curto. O uso do termo
"promiscuidade" nos espanta. Ao que parece, esse foi o principal
argumento para proposição dessa lei. Corajosamente a professora/diretora lista
argumentos fundamentados, não vendo razão para essa separação acontecer somente
nas escolas de ensino secundário. Por outro lado, nos chama atenção também, a
rígida estrutura citada pela diretora de uma rede empenhada em fiscalizar e
disciplinar alunos.
Mas vejamos agora outra reportagem
também do Correio do Povo, do dia 26 de março de 1943, que mostra uma opinião
contrária a da diretora carioca.
Com assinatura de Aldo Obino, colunista
de Arte do Correio do Povo por mais de 30 anos, o artigo se intitulava de A
COEDUCAÇÃO.
Aldo Obino inicia contando a história
da coeducação, que seria a instrução conjunta de ambos os sexos, criada por
Horácio Mann nos Estados Unidos no ano de 1831. Acusa esse sistema de ensino de
comunista e alega que sua vigência visa a economia de custos. Eis um trecho da
sequencia de absurdos escritas por Aldo Obino:
Os princípios da coeducação propostos
por Mann aparentam altos desígnios, os quais a análise científica, entretanto,
não confirma.O fator fisiológico do crescimento é
decisivo e importante no assunto. É que a evolução física de um sexo para outro
é desigual e de impressionante alternância. Eis porque física e
intelectualmente se desaconselha a coeducação com dados da psicologia e da pedagogia.
O ensino misto se apresenta, assim, de todo e qualquer modo contraproducente.
Não se leva em conta o distinto
crescimento mental nos dois sexos.
O colunista argumenta que, devido a
diferença física e intelectual de ambos os sexos, não devem ser educados
juntos.
Aos olhos de hoje, assusta. Mas a
opinião desse homem público, formador de opiniões por ser colunista do jornal,
reflete as concepções de uma época não tão distante de nós.
Que bom que já tínhamos mulheres
corajosas como a professora do primeiro artigo! Pena que seu nome não foi
citado.