domingo, 29 de abril de 2018

O aberto - O homem e o animal

Uma das minhas leituras da semana, foi o Livro O aberto: O homem e o animal, de Giorgio Agambem. 

Agamben é um filósofo italiano (1942), formado em Direito pela Universidade de Roma em 1965. Participou de seminários promovidos por Martin Heidegger e foi responsável pela edição italiana da obra de Walter Benjamin. Autor de obras de teoria literária e filosofia, tem se ocupado do conceito de biopolítica e contribuído significativamente par as reflexões sobre os desafios da ação política na contemporaneidade. 

Na obra O aberto, Agamben procura delinear e circunscrever a posição estratégica desempenhada pela representação do vivente em diferentes discursos teóricos no Ocidente. Retoma a oposição estabelecida na tradição grega, especificamente por Aristóteles, entre a vida nua (Zoo) e a vida qualificada (Bios). Coloca em pauta a modalidade de relação que a tradição ocidental estabeleceu entre os registros do homem e do animal, marcada que foi pela oposição radical, mas na qual a exclusão entre tais registros se declina também por certa inclusão, que se revitaliza.Daí a tensão que foi forjada entre a vida nua e a vida qualificada, de forma que esta possa ser transformada naquela por uma ato de poder soberano, visando a eliminação de alguém do espaço social. (Joel Birman - Psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da UFRJ e do Instituto de Medicina Social da UERJ).

A razão para eu citar este livro é a linguagem. Estamos tratando, na Interdisciplina Linguagem e Educação, da aquisição da linguagem pela criança. Com as diversas teorias a respeito do assunto, damos ênfase a Piaget e Vygotsky. Mas Agamben trata da aquisição da linguagem pelo homem, remetendo-nos a passagem do animal para homem. 

O que diferencia o homem do animal é a linguagem, mas isso não é um dado natural já inscrito na estrutura psicofísica do homem, e, sim, uma produção histórica que, como tal, não pode ser propriamente associada nem ao animal nem ao homem. Caso se suprima esse elemento, a diferença entre o homem e o animal se anula, a menos que se imagine um homem não falante - Homo alalus, portanto - que deveria servir de ponte à passagem do animal ao humano. Mas isso é, com toda a probabilidade, apenas uma hipótese proporcionada pela linguagem, uma pressuposição do homem falante, por meio da qual obteremos sempre e ao menos uma animalização do homem (um homem-animal, como o homem-macaco de Haeckel) ou uma humanização do animal (um símio-humano). O homem-animal e o animal-homem são as duas faces de uma mesma fratura, que não pode ser resolvida nem de uma parte nem de outra. (AGAMBEN, 2013, p.62).
Temos portanto uma questão filosófica que trata da aquisição da linguagem pelo homem. Se fizermos uma relação com nossas reflexões da Interdisciplina em questão, podemos pensar sobre os fatores que proporcionaram esta aquisição pelo homem. Seriam as mesmas que a criança hoje aprende a linguagem?

Referência

AGAMBEN. O aberto: o homem e o animal. Tradução: Pedro Mendes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

sábado, 21 de abril de 2018

Inovações pedagógicas


O Jornal Correio do Povo de 12 de maio de 1946, na coluna Reminiscências de Porto Alegre, trouxe uma reportagem intitulada Para ser professor primário em 1858. Nele se lia:


 Programa mandado adotar pelo ofício de 9 de abril de 1858 para o exame dos candidatos ao magistério da instrução primária.
Artigo 1º: Os exames serão feitos em uma das salas do Lycêo D. Afonso, e começarão às dez horas da manhã.
Artigo 2º: O inspetor geral distribuirá pelos examinadores as matérias sobre que tenham de ser examinados os candidatos; podendo no fim fazer sobre elas as perguntas que julgarem convenientes.
Artigo 3º: O examinador respectivo deve:
1º: Mandar o candidato fazer exercício breve de leitura de diversos caracteres e manuscritos; e examiná-lo sobre a ortografia e conhecimentos de pontuação.
2º: Popôr-lhe cacographicamente  algumas palavras, e frases alteradas para sondá-lo em ortografia.
3º: Fazê-lo conjugar verbos e analisar o período que se lhe ditar.
4º: Mandar escrever algumas linhas em bastardo, bastardinho e cursivo e aparar a pena com que tiver de escrever.
5º: Propor questões de aritmética próprias para reconhecer as habilitações do candidato na matéria; perguntar-lhe os princípios gerais relativos ao cálculo e os sistemas mais usuais de pesos e medidas.
6º: Perguntar-lhe circunstanciadamente sobre a Religião do Estado, e fazendo repetir as principais orações do catecismo.
7º: Fazer-lhe perguntas sobre a história sagrada e ver se tem conhecimentos dos elementos de história e geografia principalmente do Brasil.
8º: Finalmente, questionar o candidato acerca dos diversos métodos e processos do ensino primário.
Artigo 4º: No caso de haver mais de um candidato para o magistério da mesma cadeira, seguir-se-á a regra do artigo antecedente, sendo cada um deles examinado por sua vez.
Artigo 5º: Cada examinador poderá perguntar e examinar o candidato por espaço de uma hora.
Artigo 6º: Segundo o grau de ensino para cujo magistério for o candidato, assim serão as matérias sobre que ele deva ser examinado.
Artigo 7º: Findo o exame, os examinadores emitirão ao Inspetor Geral seu juízo sobre o merecimento do candidato, declarando-o habilitado ou anhabilitado; do que se lavrará termo em que assinarão o mesmo Inspetor Geral e examinadores.

Nesta época era Inspetor Geral da Instrução Pública, o dr. Luiz da Silva Flores.
A transcrição desta notícia tão antiga tem o propósito de provocar ainda mais as reflexões feitas durante a leitura do texto Inovações pedagógicas e a reconfiguração dos saberes no ensinar e no aprender na universidade, de Maria Isabel da Cunha (2004) na Interdisciplina Educação e tecnologias da comunicação e informação. Nele a autora reflete sobre as novas configurações da relação professor aluno na universidade. Mantida suas especificidades, a reflexão da autora pode ser transposta para qualquer nível de ensino. Descreve um cenário onde propostas pedagógicas, como a que expus acima (mesmo que exageradamente, pela longa distância temporal), não são mais possíveis. "Abalados os conhecimentos que dão sustentação a um ensino prescritivo e legitimado pelo conhecimento científico, o professor vê-se numa emergência de construção de novos saberes" (CUNHA, 2004, p. 10).

A autora enumera questões que o professor precisa responder diante desse novo modelo de prática que urge:


Em que medida consigo atender as expectativas de meus alunos?
Como compatibilizá-las com as exigências institucionais?
Como motivar meus alunos para as aprendizagens que extrapolam o utilitarismo pragmático que está em seus imaginários?
Como trabalhar com turmas heterogenias e respeitar as diferenças?
Que alternativas há para compatibilizar as novas tecnologias com a reflexão ética?
De que maneira alio ensino e pesquisa?
Que competências preciso ter para interpretar os fatos cotidianos e articulá-los com meu conteúdo?
Como enfrento o desafio da interdisciplinaridade?
Continuo preocupado com o cumprimento do programa de ensino mesmo que os alunos não demonstrem interesse/prontidão para o mesmo?
Como, em contrapartida, garanto conhecimentos que lhes permitam percorrer a trajetória prevista pelo currículo?
Tem sentido colocar energias em novas alternativas de ensinar e aprender?
Como fugir de avaliações prescritivas e classificatórias e, ao mesmo tempo, manter o rigor no meu trabalho?
Como posso contribuir para propostas curriculares inovadoras?


Complementando a questão, descrevo também as perguntas elaboradas por mim à partir da leitura de textos propostos pela Interdisciplina Didática, planejamento e avaliação, tratando do planejamento de aulas:

1) Qual a realidade social dos meus alunos?
2) Quais são seus principais interesses?
3) Como eu posso inserir os conteúdos a serem ensinados partindo desta realidade e interesses dos meus alunos?
4) Quais estratégias devo usar para fazer com que participem do processo de construção dos meios do desenvolvimento da aprendizagem?
5) Como avalia-los e usar estes resultados como auxílio do processo de ensino-aprendizagem?

Embora eu tenha formulado estas perguntas antes da leitura do texto de Cunha, vejo semelhanças entre elas. Nada mais é do que o reflexo da ansiedade que permeia os professores diante de tantas mudanças nas práticas pedagógicas. Embora aquelas exigências publicadas no Correio do Povo em 1946, mas referentes a 1858, sejam temporalmente tão distantes de nós, ainda percebemos resquícios daquela prática em muitas escolas.

O fato é que estamos diante de novas realidades, muito diferentes daquela que recebemos nossa própria educação. Nunca as mudanças foram tantas em tão curto espaço de tempo. Há toda uma gama de conhecimentos, que não os acadêmicos, que precisamos dar conta para sermos professores. Sabemos que nosso papel mudou, mas não sabemos bem qual é esse papel.

Foi-nos pedido uma definição para Inovação Pedagógica. Eis a minha:

Inovação pedagógica são as estratégias que precisam ser encontrada pelos professores para darem conta dos novos saberes necessários à pratica docente. Saberes que vão muito além do conteúdo em si, mas que consideram questões sociais, políticas e econômicas da realidade dos alunos. São novas formas de planejar, conduzir e avaliar o processo de ensino-aprendizagem


Referências


CUNHA, Maria Isabel da. Inovações pedagógicas e a reconfiguração de saberes no ensinar e aprender na universidade. In: congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. 8. Anais. Coimbra. 16-18 set. 2004.

CORREIO DO POVO, 12 mai. 1946.

domingo, 15 de abril de 2018

Interdisciplinaridade

Mais uma vez as interdisciplinas do semestre se cruzam, se interpõe, se misturam, se mesclam, se confundem... E curiosamente o fio condutor deste semestre é justamente 

INTERDISCIPLINARIDADE

Numa posição pessoal, levo a EJA como uma espécie de "carro chefe", uma vez que é o público que estou trabalhando atualmente. Para formar a rede vem o Seminário Integrador VII com as escolas democráticas, construtivismo e empirismo, a Didática, Planejamento e Avaliação com o planejamento interdisciplinar, a Educação e Tecnologias nos dando ideias de meios digitais para este planejamento e a Linguagem e Educação com as teorias de Piaget e Vigotsky nos apontando a linguagem como mediadora do conhecimento.

Essa conexão que percebemos no PEAD é certamente o resultado de um planejamento conjunto entre os professores de cada interdisciplina. E não há melhor forma de nos fazer perceber a importância dessa interdisciplinaridade do que agindo de uma forma interdisciplinar. 

Esta semana temos a tarefa de planejar uma aula que tenha no mínimo três disciplinas envolvidas. É um desafio! Mas temos bons exemplos e um bom aporte teórico desenvolvido no decorrer do semestre.

Reproduzo aqui uma crítica muito contundente da compartimentação das disciplinas no universo escolar, trazido pela interdisciplina Seminário Integrador VII.

“A especialização sem limites culminou numa fragmentação crescente do horizonte epistemológico. Chegamos a um ponto que o especialista se reduz àquele que, à causa de saber cada vez mais sobre cada vez menos, termina por saber tudo sobre o nada. (...)”.
Em nosso sistema escolar, “ensina-se um saber fragmentado, que constitui um fator de cegueira intelectual, que decreta a morte da vida e que revela uma razão irracional. A ponto de o especialista não saber nem mesmo aquilo que acredita saber. Essas “ilhas” epistemológicas, dogmática e criticamente ensinadas, são ciumentamente mantidas por estes reservatórios ou silos de saber, que são as instituições de ensino, muito mais preocupadas com a distribuição de suas fatias de saber, de uma ração intelectual a alunos que não têm fome. (...)
            É por isso que o interdisciplinar provoca atitudes de medo e de recusa. Porque constitui uma inovação. Todo o novo incomoda. Porque questiona o já adquirido, o já instituído, o já fixado e o já aceito.”
 
(JAPIASSU, Hilton. A questão da interdisciplinaridade. Revista Paixão de Aprender. Secretaria Municipal de Educação, novembro, n°8, p. 48-55, 1994.)
Estas ilhas epistemológicas de que escreve o autor, continuam a existir em muitas escolas atuais. As razões são muitas:  as políticas públicas que não proporcionam momentos de planejamento aos professores, a falta de preparo dos professores, as precariedades físicas das escolas, entre tantos outros. 
Na verdade nada disso impede um planejamento interdisciplinar, mas dificulta, torna mais penoso e menos prazeroso, fazendo com que muitos se percam no caminho.

Continuemos na luta!!!!!!!


domingo, 8 de abril de 2018

Público da EJA

A semana que passou foi repleta de tarefas com assuntos variados. Foi difícil selecionar um para refletir aqui no blog. As contribuições de Comênio, da interdisciplina de Didática,  nossas memórias quanto as tecnologias usadas na escola, na interdisciplina de Tecnologias, as correntes teóricas sobre a aquisição da linguagem, na interdisciplina de Linguagem... Muitas coisas me interessaram e me deixaram com vontade de escrever sobre elas. Mas, por ser mais próximo da minha prática pedagógica, resolvi mais uma vez escrever sobre a EJA.

Durante a leitura do texto Trajetória da escolarização de jovens e adultos no Brasil, de Friedrich et all (2010) me chamou atenção uma citação feita pelos autores da Lei 9394/96, definindo o público da EJA: "Os que não tiveram acesso à educação na idade própria" (Brasil, 1996 apud Friedrich et all 2010, p. 401).

A grande maioria do público da EJA se enquadra nesta definição, porém quero chamar atenção para uma parcela desse público que cresce a cada ano: aqueles alunos, de 15 anos, que estudaram sempre, mas que, devido a problemas de aprendizagem e/ou indisciplina, passam a frequentar a EJA. Em outras palavras, aqueles alunos que a escola diurna não sabe mais como lidar, passam para o noturno.

Para este público, o discurso de volta aos estudos, retorno por estar mais maduro e enfim percebeu que pelo estudo alcançará seus sonhos, não se aplica. São jovens que, a qualquer época do ano, assim que completam 15 anos, deixam seus colegas do dia, sua turma, seus amigos, para frequentarem uma realidade que, mesmo sendo na mesma escola, é muito diferente. Rotina, tratamento de colegas e professores, maneiras de apresentar os conteúdos... tudo é novo, diferente.

Na maioria dos casos, notamos uma sensível diferença no comportamento dos alunos que passam por esta situação. Fico me perguntando se não são tomados pelo medo, ou inibidos por estar em um ambiente novo... colegas com idade de seus pais, as vezes seus avós... colegas com muito mais experiências de vida, às vezes ex presidiários, cumprindo medidas sócio-educativas... situações que assustam até mesmo nós, professores...

Ao lado disto, temos que considerar a nossa prática pedagógica como professores da EJA. Essa parcela de público que citei acima, ainda é pouco falada pela literatura especializada. Ao mesmo tempo nos apresenta um público ainda mais diversificado. E haja estratégias para tanta diversidade!!!!!!!


Referências

FRIEDRICH et all. Trajetória da escolarização de jovens e adultos no Brasil: de plataformas de governo a propostas pedagógicas esvaziadas. Ensaio. Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 389-410, abr./jun. 2010.