O Jornal Correio do Povo de 12 de maio de 1946, na coluna Reminiscências de Porto Alegre, trouxe
uma reportagem intitulada Para ser
professor primário em 1858. Nele se lia:
Programa mandado adotar pelo ofício de 9
de abril de 1858 para o exame dos candidatos ao magistério da instrução
primária.
Artigo 1º: Os exames serão feitos em uma das salas do Lycêo
D. Afonso, e começarão às dez horas da manhã.
Artigo 2º: O inspetor geral distribuirá pelos examinadores
as matérias sobre que tenham de ser examinados os candidatos; podendo no fim
fazer sobre elas as perguntas que julgarem convenientes.
Artigo 3º: O examinador respectivo deve:
1º: Mandar o candidato fazer exercício breve de leitura de
diversos caracteres e manuscritos; e examiná-lo sobre a ortografia e
conhecimentos de pontuação.
2º: Popôr-lhe cacographicamente algumas palavras, e frases alteradas para
sondá-lo em ortografia.
3º: Fazê-lo conjugar verbos e analisar o período que se lhe
ditar.
4º: Mandar escrever algumas linhas em bastardo, bastardinho
e cursivo e aparar a pena com que tiver de escrever.
5º: Propor questões de aritmética próprias para reconhecer
as habilitações do candidato na matéria; perguntar-lhe os princípios gerais
relativos ao cálculo e os sistemas mais usuais de pesos e medidas.
6º: Perguntar-lhe circunstanciadamente sobre a Religião do
Estado, e fazendo repetir as principais orações do catecismo.
7º: Fazer-lhe perguntas sobre a história sagrada e ver se
tem conhecimentos dos elementos de história e geografia principalmente do
Brasil.
8º: Finalmente, questionar o candidato acerca dos diversos
métodos e processos do ensino primário.
Artigo 4º: No caso de haver mais de um candidato para o
magistério da mesma cadeira, seguir-se-á a regra do artigo antecedente, sendo
cada um deles examinado por sua vez.
Artigo 5º: Cada examinador poderá perguntar e examinar o
candidato por espaço de uma hora.
Artigo 6º: Segundo o grau de ensino para cujo magistério for
o candidato, assim serão as matérias sobre que ele deva ser examinado.
Artigo 7º: Findo o exame, os examinadores emitirão ao
Inspetor Geral seu juízo sobre o merecimento do candidato, declarando-o
habilitado ou anhabilitado; do que se lavrará termo em que assinarão o mesmo
Inspetor Geral e examinadores.
Nesta época era Inspetor Geral da Instrução Pública, o dr.
Luiz da Silva Flores.
A transcrição desta notícia tão antiga tem o propósito de provocar ainda mais as reflexões feitas durante a leitura do texto
Inovações pedagógicas e a reconfiguração dos saberes no ensinar e no aprender na universidade, de Maria Isabel da Cunha (2004) na Interdisciplina
Educação e tecnologias da comunicação e informação. Nele a autora reflete sobre as novas configurações da relação professor aluno na universidade. Mantida suas especificidades, a reflexão da autora pode ser transposta para qualquer nível de ensino. Descreve um cenário onde propostas pedagógicas, como a que expus acima (mesmo que exageradamente, pela longa distância temporal), não são mais possíveis. "Abalados os conhecimentos que dão sustentação a um ensino prescritivo e legitimado pelo conhecimento científico, o professor vê-se numa emergência de construção de novos saberes" (CUNHA, 2004, p. 10).
A autora enumera questões que o professor precisa responder diante desse novo modelo de prática que urge:
Em que medida consigo atender as expectativas de meus
alunos?
Como compatibilizá-las com as exigências institucionais?
Como motivar meus alunos para as aprendizagens que
extrapolam o utilitarismo pragmático que está em seus imaginários?
Como trabalhar com turmas heterogenias e respeitar as
diferenças?
Que alternativas há para compatibilizar as novas tecnologias
com a reflexão ética?
De que maneira alio ensino e pesquisa?
Que competências preciso ter para interpretar os fatos
cotidianos e articulá-los com meu conteúdo?
Como enfrento o desafio da interdisciplinaridade?
Continuo preocupado com o cumprimento do programa de ensino
mesmo que os alunos não demonstrem interesse/prontidão para o mesmo?
Como, em contrapartida, garanto conhecimentos que lhes
permitam percorrer a trajetória prevista pelo currículo?
Tem sentido colocar energias em novas alternativas de
ensinar e aprender?
Como fugir de avaliações prescritivas e classificatórias e,
ao mesmo tempo, manter o rigor no meu trabalho?
Como posso contribuir para propostas curriculares inovadoras?
Complementando a questão, descrevo também as perguntas elaboradas por mim à partir da leitura de textos propostos pela Interdisciplina
Didática, planejamento e avaliação, tratando do planejamento de aulas:
1) Qual a realidade social dos meus alunos?
2) Quais são seus principais interesses?
3) Como eu posso inserir os conteúdos a serem ensinados partindo desta realidade e interesses dos meus alunos?
4) Quais estratégias devo usar para fazer com que participem do processo de construção dos meios do desenvolvimento da aprendizagem?
5) Como avalia-los e usar estes resultados como auxílio do processo de ensino-aprendizagem?
Embora eu tenha formulado estas perguntas antes da leitura do texto de Cunha, vejo semelhanças entre elas. Nada mais é do que o reflexo da ansiedade que permeia os professores diante de tantas mudanças nas práticas pedagógicas. Embora aquelas exigências publicadas no Correio do Povo em 1946, mas referentes a 1858, sejam temporalmente tão distantes de nós, ainda percebemos resquícios daquela prática em muitas escolas.
O fato é que estamos diante de novas realidades, muito diferentes daquela que recebemos nossa própria educação. Nunca as mudanças foram tantas em tão curto espaço de tempo. Há toda uma gama de conhecimentos, que não os acadêmicos, que precisamos dar conta para sermos professores. Sabemos que nosso papel mudou, mas não sabemos bem qual é esse papel.
Foi-nos pedido uma definição para Inovação Pedagógica. Eis a minha:
Inovação pedagógica são as estratégias que precisam ser encontrada pelos professores para darem conta dos novos saberes necessários à pratica docente. Saberes que vão muito além do conteúdo em si, mas que consideram questões sociais, políticas e econômicas da realidade dos alunos. São novas formas de planejar, conduzir e avaliar o processo de ensino-aprendizagem
Referências
CUNHA, Maria Isabel da. Inovações pedagógicas e a
reconfiguração de saberes no ensinar e aprender na universidade. In: congresso
Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. 8. Anais. Coimbra. 16-18 set. 2004.
CORREIO DO POVO, 12 mai. 1946.